Reações Hansênicas (Tipo I e Tipo II)
As reações hansênicas são urgências clínicaspor consistirem em surtos inflamatórios agudos- em região de pele, nervos periféricos e por vezes ataques imunológicos sistêmivos - capazes de destruir rapidamente fibras nervosas e produzir incapacidades irreversíveis.
Elas podem surgir antes, durante ou depois da poliquimioterapia única (PQT-U, squema de tratamento padronizado para a hanseníase, implementado no Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil a partir de 1º de julho de 2021)e não devem servir de pretexto para suspender o esquema antibacilar,salvo se houver recidiva comprovada.
Os dois grandes quadros — Reação Tipo 1 (Reação Reversa)e Reação Tipo 2 (Eritema Nodoso Hansênico, ENH)— diferem em mecanismos imunológicos, clínica e tratamento, mas compartilham a necessidade de diagnóstico precoce, corticoterapia ou imunomodulação adequada e monitorização neurológica contínua, que consiste na repetição da Avaliação Neurológica Simplificada (ANS)para monitorar nervos sensitivo-motores.
A Reação Tipo 1acomete principalmente doentes com formas dimorfas(PB ou MB). De instalação súbita, pode aparecer até dois ou três anos após o término da PQT-U. Trata-se de uma exacerbação da resposta Th1contra antígenos bacilares — inclusive detritos de bacilos mortos — caracterizando hipersensibilidade tipos III e IV. O primeiro sinal costuma ser a piora das lesões cutâneas pré-existentes, que ficam eritemato-vinhosas, edemaciadas e dolorosas;surgem placas novas em regiões previamente subclínicas, em casos graves, ulcerações. Concomitantemente, emerge neurite aguda: dor intensa à palpação de nervos, parestesias, déficit de força ou de sensibilidade e, não raro, edema de mãos e pés. Gravidez (sobretudo no puerpério), adolescência, coinfecções, cáries, periodontite e estresse físico ou psíquico figuram entre os principais precipitantes.
O tratamento exige prednisona 1 mg/kg/dia, reduzida paulatinamente por, no mínimo, seis meses;pacientes cardiopatas ou hipertensos podem receber dexametasona 0,15 mg/kg/dia. A profilaxia de estrongiloidíase(albendazol ou ivermectina) deve anteceder a corticoterapia, enquanto a imobilização do membro com neurite auxilia na analgesia e na proteção neural. Em crianças, ajusta-se a dose ao peso, ponderando-se efeitos sobre crescimento e puberdade; pode-se optar por administração em dias alternados.
Fonte: Hanseníase na Atenção Básica - Reações Hansênicas - UNASUS
A Reação Tipo 2 (ENH)restringe-se a pacientes multibacilares(dimorfo-MB ou virchowiano) e resulta da deposição de imunocomplexos. Sua expressão cutânea clássica são nódulos subcutâneos dolorosos distribuídos difusamente, sem relação topográfica com a hanseníase original;nódulos extensos podem necrosar.
Febre alta, artralgias, mialgias, dor óssea, edema, linfadenomegalia, irite, orquite, nefrite e neurite compõem o espectro sistêmico. O ENH classifica-se em agudo(< 6 meses), recorrente(novo surto ≥ 28 dias após interrupção do tratamento) e crônico(> 6 meses ou remissão < 28 dias).
A droga de escolha é a talidomida 100 – 400 mg/dia, efetiva na modulação de TNF-α, mas absolutamente contraindicada na gestação; exige dupla contracepção em mulheres em idade fértil e preservativo em homens até quatro semanas após a última dose. Quando há neurite, orquite, episclerite ou nefrite, associa-se prednisona 1 mg/kg/dia.
Talidomida combinada a corticoiderequer AAS 100 mg/diapara prevenção de tromboembolismo. Em mulheres férteis sem neurite, ou na contraindicação da talidomida, recorre-se a pentoxifilina; em crianças, emprega-se clofazimina 1,5 – 2 mg/kg(regime 3-2-1 vezes/dia nos três primeiros meses).
O sucesso terapêutico depende de educação do paciente: ao mínimo sinal de piora (choques, formigamento, perda de força, dor ou edema), deve-se procurar imediatamente a unidade de saúde; aatenção primária encaminhará de urgência para serviço especializado. A equipe realiza Avaliação Neurológica Simplificada (ANS)periódica para detectar neurite silenciosa, ajusta doses, rastreia efeitos colaterais (metabólicos, osteomusculares, psiquiátricos) dos corticoides e mantém vigilância sobre intercorrências infecciosas.
Fonte: Hanseníase na Atenção Básica - Reações Hansênicas - UNASUS
Tabela – Principais pontos comparativos das Reações Hansênicas
CATEGORIA | TIPO 1 (REAÇÃO REVERSA) | TIPO 2 (ENH) |
População acometida | Formas dimorfas (Paucibacilar ou Multibacilar) | Apenas multibacilares (dimorfo ou virchowiano) |
Momento de ocorrência | Durante a PQT-U ou até 2-3 anos após alta | Antes, durante ou depois da PQT-U |
Fisiopatologia | Hipersensibilidade Th1 (III/IV) contra antígenos bacilares | Síndrome de imunocomplexos (resposta humoral) |
Lesões cutâneas | Placas antigas pioram por inflamação e surgem novas em região subclínica; possível ulceração; | Nódulos subcutâneos dolorosos, múltiplos; necrose/ulceração em casos graves |
Neurite | Muito frequente, dolorosa, risco alto de sequela | Pode ocorrer, sobretudo em surtos intensos |
Sintomas sistêmicos | Raros (quadro limitado à pele/nervo) | Presentes (febre, artralgia, mialgia, edema, irite, orquite, nefrite) |
Fatores precipitantes | Gravidez/puerpério, adolescência, coinfecções, foco dentário, estresse | Idem Tipo 1; vacinas; grandes cargas bacilares |
Fármaco de escolha | Prednisona 1 mg/kg/dia (dexa 0,15 mg/kg em cardiopatas) | Talidomida 100 – 400 mg/dia (associar prednisona se neurite) |
Profilaxias e cuidados | Ivermectina/Albendazol para estrongiloidíase; redução lenta da dose; imobilização | Talidomida: contracepção rigorosa; AAS 100 mg se com corticoide; mesma profilaxia helmíntica |
Alternativas | — | Pentoxifilina; clofazimina em crianças |
Prognóstico | Resposta rápida aos corticoides; risco de sequela se atraso | Curso prolongado (≥ 12 meses); grande impacto psicossocial |
Referência: PCDT Hanseníase – Ministério da Saúde, 2023.
BIBLIOGRAFIA:
DA SAÚDE, M. Reações Hansênicas - Hanseníase na Atenção Primária. [s.l.] ACERVO DE RECURSOS EDUCACIONAIS EM SAÚDE - ARES, 2014. Disponível em: <https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/3053/1/u3a2%20-%20Rea%C3%A7%C3%B5es%20hans%C3%AAnicas.pdf>.
DA SAÚDE, M. GUIA PRÁTICO SOBRE A HANSENÍASE. Brasília: Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Vigilância e Doenças Transmissíveis, 2017. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_pratico_hanseniase.pdf>.
DA SAÚDE, M. Protocolo Clínico de Diretrizes e Terapêuticas da Hanseníase. Brasília: Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/publicacoes_ms/copy_of_20230131_PCDT_Hanseniase_2022_eletronica_ISBN.pdf>.
AUTORA:
Letícia de Paula Palmeira
DATA: 09/07/2025